sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Análise da personagem Audrey Burke - Coisas que perdemos pelo caminho

Audrey Burke é uma mulher feliz, tem uma vida estável e segura, sente-se amada e ama seu esposo e filhos, é uma pessoa que gosta de ter o controle da situação e é bastante sistemática, gosta da organização e de atenção, embora não goste da amizade de seu esposo com Jerry Sunborne, pois este é um advogado viciado em heroína, cuja vida está destruída, ela “acha” tenta respeitar tal amizade, mas sempre que há uma oportunidade busca separá-los.
A amizade representa para ela algo que não pode controlar na vida de seu esposo, algo que ela acaba ficando em segundo plano, que remete seu ciúme e insegurança, pois esse amigo consegue extrair atitudes bondosas dele que ela quer só para si, é como se fosse uma ameaça a seu bem estar, tendo assim atitudes egoístas sem perceber ou aceitar tal comportamento como na cena que ela fica enraivecida com o esposo por ele sair à noite para visitar o amigo que está aniversariando. Pode ser percebido também o surgimento do triângulo edípico, assumindo muitas vezes o papel de Pai, nos momentos em que resgata Jerry da recaída e o coloca na casa novamente.
            Entretanto, a morte do esposo a deixa em inércia, jogada no vazio, como se o próprio chão tivesse sido tirado e ela caísse continuamente na mais profunda dor e desamparo, enquanto isso ela procura continuar a boa ação de seu esposo para com o amigo para se sentir “próxima” dele, de sua imagem, para ter “forças” para continuar, pois o desejo ainda existia e precisava ser direcionado para outras coisas e percebe nele alguém cuja vida está em destruída da mesma forma que a dela e uma oportunidade de ajudar e ser ajudada, claro que isso tudo a nível inconsciente. O investimento libidinal acontece, pois se percebe “próxima” do esposo ao estar “próxima” de Jerry. A energia e desejo são os mesmos, somente estava indo na direção de Jerry como se fosse o esposo.
            Assim, ele vai conquistando o lugar do amigo na casa, ao compadecer da dor, ao estar inteirado na rotina da casa e saber de coisas que nem ela própria sabia, além de ele estar vivenciando os passos que seu amigo vivenciaria, conquistas que eram para ser dele. Tudo isso foi revoltando Audrey de tal maneira que ela não aguenta mantê-lo em casa, pois se sente confusa ao perceber a imagem de seu esposo esvaindo-se e sendo tomada por Jerry, assustada e ao mesmo tempo com ódio da injustiça feita, pois para ela é incompreensível a morte de seu esposo e não a de Jerry que era um viciado inútil, além de ter a sensação de estar perdendo o controle sobre a própria vida e filhos, pois estes sempre recorrem a Jerry, inclusive ela que em momentos o trata com compaixão de forma sensível e bondosa buscando parecer com o falecido esposo transformando ele em referencia, outras com desejo deixando emergir sua carência e falta do objeto que deseja, outras com amizade e racionalidade atendendo ao superego e outras com ódio e não aceitação da verdade, interessante perceber que ela tem momentos de catarses, acompanhado de muito choro, violência e sofrimento, e momentos mais brandos de tristeza e descuido.
Quando Jerry diz a ela que ela está sendo egoísta, tudo isso faz com que ela o expulse da casa, pois aí evidenciamos o investimento libidinal, pois só há investimento naquilo que interessa, que traga alguma satisfação, e ele a satisfazia ao ajudá-lo, ela percebia que podia agir de forma bondosa, era ela com ela mesma, era uma necessidade de reconhecimento.
            Audrey tem um misto de repulsa e desejo permeado pela culpa por Jerry, o desejo por Jerry acontece pela representação que ele tem ao encontrar a filha dela, ela fica grata pela atitude dele, o mesmo afeto é recalcado por ele não ser o marido criando uma espécie de repulsa ao desejo, transpassado pela culpa de reconhecer o bem que ele já fizera.
            O sentimento de apego ao esposo não a deixa emergir do processo de luto, não a deixa modificar o escritório, nem doar as roupas, enfim sente-se vazia porque quem lhe preenchia foi embora e levou parte de seu ser. Basicamente fica sendo movida por impulsos, pela dificuldade de enfrentar a realidade, procurando até saber como é o efeito da heroína, como forma de fuga da situação. É explicita a dificuldade da interação da realidade externa, ao Supereu e ao Isso simultaneamente, caracterizado pelas diversas aproximações e distanciamentos dela e de Jerry e da dificuldade de aceitação da morte do esposo.
            E no fim do filme é mostrado que ela consegue obter as rédeas da vida novamente, ao incentivar Jerry ao tratamento na clinica e assumir sua realidade no processo final do luto, enfim visitando o tumulo do esposo.