sábado, 27 de outubro de 2007

Ninguém...



A rua estava fria. Era sábado ao anoitecer, mas eu estava chegando e não saindo. Passei no bar e comprei um maço de cigarros. Vinte cigarros. Eram os vinte amigos que iam passar a noite comigo.

A porta se fechou como uma despedida para a rua, mas aporta sempre se fechava assim. Ela se fechou com um som abafado e rouco. Mas era sempre assim que ela se fechava. Um som que parecia o adeus de um condenado. Mas aporta simplesmente se fechara e ela sempre se fechava assim. Todos os dias ela se fechava assim.

Acender o fogo, esquentar o arroz, fritar o ovo. A gordura estala e espirra, ferindo minhas mãos. A comida estava boa. Estava realmente boa, embora tenha ficado quase a metade no prato. Havia uma casquinha de ovo e pensei em pedir-me desculpas por isso. Sorri com esse pensamento. Acho que eu sorri. Devo ter sorrido. Era só uma casquinha.

Busquei no silêncio da copa algum inseto, mas eles já haviam todos adormecidos para a manhã de domingo. Então eu falei em voz alta. Precisava ouvir alguma coisa e falei em voz alta. Foi só uma frase banal. Se houvesse alguém perto, diria que estava ficando doido. Eu sorriria. Mas não havia ninguém. Eu podia dizer o que quisesse. Não havia ninguém para me ouvir. Eu podia rolar no chão, ficar nu, arrancar os cabelos, gemer, chorar, soluçar, perder a fala, não havia ninguém para me ver. Ninguém para me ouvir. Não havia ninguém. Eu podia até morrer.

Luiz Vilela

Nenhum comentário: